quarta-feira, agosto 05, 2009

O novo estatuto de "Arguido"


Estava eu a precisar de um tema para escrever e hoje surgiu a tal luzinha, uma vez mais após um noticiário da TV. Começo então por dizer que neste nosso querido pais de brincar que se chama Portugal, onde há muito tempo atrás um notável senhor da história disse que não se governa nem se deixa governar, surgiu uma nova moda. Seria errado continuar sem alertar que esta nova moda não é uma novidade pela prática mas sim pela localização. A mesma já vem “embelezando” alguns continentes, onde assentam destacados os designados países do terceiro mundo, nomeadamente o africano e sul americano. O grande feito e fabuloso passo de importação modista, esse sim, pertence-nos, aos portugueses, pela mão da nossa habitual e criativa classe política. Conseguimos então, em democracia, livremente e ainda por cima num pais que pertence à União Europeia, criar por excelência o estatuto de “arguido”. Ora vejamos:

1. Segundo consulta a Wikipédia, a enciclopédia livre, no direito português, uma pessoa é constituída como arguida, um termo jurídico que não existe em muitas outras jurisdições no estrangeiro, quando recaem sobre si indícios de ter cometido um delito.

2. Continuando a consulta na Wikipédia, uma pessoa poder solicitar ser "arguida" porque beneficia de direitos que não tem como testemunha. Além da obrigatoriedade de ser acompanhado por um advogado nas suas declarações ante a autoridade policial, o que não sucede com as testemunhas, um arguido tem direito a não se pronunciar, negando-se a responder a perguntas já que com potencial suspeito age em sua própria defesa, e como testemunha estaria obrigado a responder a todas as perguntas.

Parece que pela aplicação da Lei o estatuto já não é assim tão mau, beneficia mesmo de direitos que não se têm enquanto testemunha de determinado processo judicial. Mas sejamos sinceros, sempre vivemos com isto assim e desta forma no universo da justiça, não é pois nenhuma novidade e também nunca ninguém se preocupou com isso. A grande novidade, que até já é não assim tão grande mas ainda assim muito recente, passa pela atribuição da condição de excelência por se ter estatuto de “arguido”, passando o mesmo não só a ser normal como a receber notoriedade social, bem como passou a ser requisito essencial em qualquer curriculum vitae. A palavra em si foi banalizada e deixou de ser motivo de vergonha, se é verdade que existe a suspeita, também é verdade que não foi ainda provada. Alguns e bem recentes casos de justiça, bem como outros já com uns anos, sendo todos eles bastante polémicos mas principalmente “bastante” mediáticos, levaram necessariamente os intervenientes, que foram constituídos como arguidos, a dar a volta ao texto. A vergonha deu lugar ao estatuto, a suspeição deu lugar à calunia gratuita, os média passaram a ter a tão e sempre desejada matéria prima noticiosa, moldando-a a seu belo prazer e sempre indexada ao “share”, ou seja, criou-se e gerou-se um “mercado” bastante lucrativo.

Curioso comparar a nossa elite política, entre outros que não são políticos mas ainda assim serão socialmente notáveis, com a de outros países na União Europeia. Se na maioria dos restantes países europeus, onde nem sequer nas suas jurisdições não existe o termo “arguido”, quando sobre determinada pessoa recaem indícios de ter cometido um delito a mesma automaticamente se afasta, ou é afastada. Em Portugal passou a ser factor ou requisito essencial para permanência reforçada em funções. Reparemos que até passou a ser condição essencial para elaboração de listas de concorrência a cargos políticos, bem como outros importantes cargos que por ai existem.

Estão a tentar, a espaços, politizar a magistratura judicial e o ministério público em Portugal, que “ainda” são órgãos de soberania. A céu aberto, a moda “arguido” segue imponente e alastra a seu belo prazer por este pais democrático mas sem vergonha. O povo, sempre o povo, sempre ignorante e apaixonado, vai-se deixando levar democraticamente por este dilúvio a aplaude efusivamente os actores em cena.

Eu também sou português, não sou nem nunca fui constituído “arguido” em qualquer processo judicial, nem tão pouco pretendo vir a ser. Se algum dia me acontecer posso afirmar, de acordo com a educação que tive, que irei afastar-me do meu meio e actuar discretamente pois vou ter vergonha… mesmo sabendo-me inocente.

É tudo uma questão de “postura”, uns têm-na... outros não.