segunda-feira, janeiro 24, 2011

Desagregação familiar…

Ainda não chegámos ao final do mês, mas isso não impede de escrever mais umas palavras sobre a nossa vida. Hoje, em conversa com amigos, o tema família veio a lume. Nada de novo pois todos temos uma família, ou quase todos. Os meus amigos são mais novos que eu, alguns perto de vinte anos a menos. Vou salientar aqui a forma como o termo família mudou em poucos anos, cerca de uma dezena. Tal diferença deve-se a vários factores, sejam de localização, sociais ou económicos. A nossa realidade passa pelo englobamento europeu, o velho continente. Somos atingidos pela sua pluralidade, pela fusão de culturas, pelo resultado final. A proximidade e mobilidade entre povos aumentou, a Europa globalizou-se interna e externamente. Somos filhos de um projecto em vigor, a União Europeia. O seu propósito social e económico atravessa as nossas vidas diariamente, de variadíssimas formas. Para muitos tratou-se de unir os povos, já outros começam a divergir e dizem que se vive a duas velocidades. Certezas? Bem! A União Europeia, bem como o mundo inteiro, somam uma crise já apelidada como a crise das crises. Rebentou pela vertente económica, pelo efeito onda, globalizando-se. Sente-se na pele, socialmente nos povos e nas famílias. A definição do termo família altera-se e já não vale o que valia há anos atrás. Vou apresentar três exemplos que considero importantes:

1/ Há muitos, ou alguns anos atrás, as famílias reuniam-se com alguma frequência. Bem sei o que digo pois era o que acontecia com a minha família. No Natal era uma certeza, em alguns aniversários também. No verão havia sardinhadas, feijoadas, qualquer ementa servia. Pais, tios, mães e tias, avôs e avós, entre alguns outsiders de grandes amizades. Eu vibrava pois nunca tive irmãos, mas tinha primos e era sempre uma alegria. Alguns adultos bebiam um pouco mais, outros aturavam-nos. Mas nós, os primos, estávamos sempre bêbados de tanta brincadeira e algumas zangas. Disputavam-se carrinhos de brincar, bicicletas ou até mesmo quem fazia a maior avaria ao mais novo. Uma alegria! Hoje? A minha filha raramente vê os primos, alguns nem os conhece ainda, e estão aqui tão perto…

2/ Tenho mulher a filha, são o meu mundo. Eu e a minha mulher temos profissões exigentes, desgastam-nos a alma e queimam-nos alguns neurónios. Eu dispenso/gasto três horas de cada dia de trabalho em transportes, em viagens. A minha filha anda na escola, também já se acostumou a viajar, a cumprir horários, a cansar-se não só de brincadeira. A vida sempre cansou e continua a cansar quase todas as pessoas. O trabalho, a casa, as compras, as facturas… a vida. Na realidade não me tira o sono, no fundo nunca dormi muito bem, nunca fui uma pedra. Acordo muitas vezes de noite e durmo pouco, sempre fui assim, desde pequeno. Nos últimos tempos é a minha filha que me acorda porque tem medo, tem sonhos maus. Ando com cara de sono e devo ter uma expressão cansada. Um dia destes alguém me sugeriu: “… Porque não pões a tua mulher e filha em casa da sogra uns dias?... Assim dormes descansado…”. Quem mo disse tinha boa intenção, não nego a preocupação. Não entende nada de família, penso eu, não é casado e não tem filhos. É um grande trabalhador, dedicado e com uma entrega notável ao desempenho das suas funções. Mas acho que não tem ninguém para ir buscar à escola, não tem uma mulher em casa. A família não é trabalho, não se dispensa... é uma bênção!

3/ Um colega meu comprou recentemente um apartamento em Lisboa, um T2. Acho que não tem mulher (penso), e também não tem filhos (penso), mas contou um facto. Comprou um T2 pelas razões que se conhecem, está sozinho e não precisava de mais. Mesmo assim já é muito. Já passou a barreira dos 30, tal como muitos jovens no nosso país. Cada vez mais tarde os jovens constituem família. A procura de T3 e superiores é muito inferior aos restantes, T1 e T2. Por esse facto, a urbanização onde comprou o apartamento irá substituir o projecto e construir mais T1 e T2, os restantes ninguém precisa.

No fundo, cada vez mais, nesta sociedade dita “moderna e evoluída”, existe menos espaço para… a família.

2 comentários:

Teresa disse...

Bonito, lindo, uma magnifica reflexão sobre mentalidades, família, sobre a vida afinal. É verdade que existe uma tendência crescente para o isolamento. Cada vez mais, o homem perde-se na corrida do tempo e adopta habitos e comportamentos que o podem tornar irremediavelmente só. Pessimista, descrente, egoista, abdica do valor "família" e sentirá, por isso mesmo,um vazio que tentará preencher ao longo da vida, de várias formas, sempre em vão. O vazio ficará.
A crise económica também pode obrigar o homem a habitar espaços cada vez mais pequenos. Importante mesmo é que o nosso coração nunca seja um T1, que nele sempre haja espaço para os outros e para a família. Porque, como disse alguém, mais importante do que o que temos é quem nós temos na nossas vidas.

M disse...

Querido amigo, é bem verdade o que escreves. O valor Família está a cair para uma definição completamente diferente, breve serão apenas uns trauseuntes na vida uns dos outros. Felizmente pertencemos à geração que conheceu a importância dela e os seus momentos felizes que nada nos pode tirar. Natais, churrascos, férias, há que fazer o possível para transmitir alguns "genes" aos nossos possibilitando-lhes terem eventos semelhantes, de vez em quando. Depende muito de nós.

Embora te possa parecer, desde a última vez que conversamos, que eu também ande a 1000, não acontece de facto. Aprendi a estar calma no trabalho mesmo sendo de desgaste mental, não vale mesmo a pena andar sob stress, além de prejudicar a saúde, o rendimento é ilusório. tenho tido um desempenho muito superior ao que tinha quando corria para fazer o máximo de coisas e sobretudo, o relógio passou a servir apenas para não chegar atrasada. De resto: relax total, super produção e um final de dia compensador.
Mas tenho reparado que custa a imensos sair da situação a que se acostumaram durante anos. Tanto que um Domingo sem stress lhes provoca dores de cabeça. Algo vai mal aqui. O homem tem de mudar voluntariamente para o que é de valor. Caso contrário, chega a uma altura, nas derradeiras rugas, em que vai chorar profundamente o tempo que não andou á medida do desejo. É uma dor insuportável que mergulha tudo na melancolia e os anos serão demasiado penosos. Vale a pena ter andado a correr e não ter criado momentos que valia a pena reviver?