terça-feira, novembro 24, 2009

A Justiça no fio da navalha


Ontem, 23 de Novembro de 2009, assisti ao programa televisivo Prós e Contras. O debate tinha como tema base o actual estado da justiça em Portugal, como bem demonstra o titulo do programa. Foi apresentado pela jornalista Fátima Campos Ferreira, e ontem fiquei particularmente satisfeito com a sua abordagem e moderação. Ontem foi bastante profissional, dirigiu bem as intervenções e focalizou a sua intenção na percepção do debate para o público em geral. Apenas lamento a janela horária em que o mesmo foi transmitido, infelizmente já nos habituámos à colocação destes programas fora do pico máximo de share televisivo. A mensagem passa, o objectivo é cumprido, mas a grande maioria dos portugueses fica isenta dos mesmos. Só fica acordado até esta hora quem se preocupa mesmo com o actual estado do nosso pais. O painel de convidados era composto por:

Ricardo Cardoso, Juiz Desembargador
Paulo Pinto de Albuquerque, Professor de Direito Penal
Germano Marques da Silva, Professor de Direito Penal
Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados

Como sabem, aproveito sempre um tema que me interessa e sobre o qual pretendo dar a minha opinião, vamos lá então…
Penso que não vale a pena enumerar os factos, eles estão presentes a toda a hora nos meios de comunicação social. Naturalmente, e tal como tinha previsto em comentários anteriores neste blog, a espaços um novo caso surge na praça dos média. O focus actual recai no processo, supostamente em fase de investigação e segredo de justiça, Face Oculta. Como também vem sendo hábito, ou começa a ser habitual, elementos da nossa classe politica encontram-se envolvidos na polémica. Não posso deixar de afirmar, é um facto, que o actual Primeiro Ministro José Sócrates está associado praticamente a todas estas questões. Também é verdade que a informação que circula pelos órgãos de comunicação social não tem qualquer credibilidade, ainda assim dá que pensar não?
Penso que a Justiça não anda no fio da navalha, virou mesmo um espectáculo circense em que a principal finalidade passa por desviar “as atenções”. Como em tudo na vida teremos de ir à base da questão, ao sector primário e consequentemente à matéria prima da questão. Vou tentar ser o mais sucinto e explicito possível nesta linha de pensamento.

A base da questão entendo ser o ponto de partida para as ingerências no seio da Justiça, nomeadamente o envolvimento de altas figuras do estado e do meio politico partidário em processos graves, polémicos e bastante mediáticos. Considero que o Processo Casa Pia foi o elemento inflamável para a rotura de uma relação, até aqui isenta e independente, entre os meios de justiça e o poder politico. No fundo, a dita classe até aqui intocável, estava agora à mercê da justiça onde membros notáveis se viam envolvidos em processos judiciais. Ora, como em qualquer outra classe, não sendo um exclusivo da classe politica, e pelo seu fundamento agregador e protector, defendeu-se ou tratou de se defender, a si mesma e aos seus, causando para já toda esta azafama em torno do mundo judicial. A promiscuidade começou logo pela urgente alteração das leis em vigor, executada em tempo recorde e aprovada na Assembleia da República. Por quem não interessa, o facto é que o parlamento fica assim associado a esta “conveniente” alteração de leis, onde acho que não será necessário apelar a um forte sentido estratégico para entender qual o “target“ escolhido. Este acto, principalmente este, considero-o uma declaração de guerra do poder politico endereçado ao meios da Justiça. Como em qualquer outra intenção de guerra, o principal objectivo politico passou pela tentativa de partir a espinha às magistraturas.

O sector primário, se me for permitido usar esta analogia, serão os cargos chave na nossa estrutura judicial. A figura do Procurador Geral da República e do presidente do Supremo Tribunal de Justiça são peças fundamentais em toda a estrutura, a primeira é preenchida com elemento indicado, ou recomendado, por órgãos políticos do governo vigente, já no caso da segunda a eleição é efectuada internamente, onde a componente politica já se encontra fortemente enraizada. Por este ponto não penso ser necessário enveredar muito, é básico no campo da gestão de recursos humanos rodearmo-nos de pessoas da nossa confiança. Já no campo da gestão o retorno esperado a estas pessoas é a fidelidade e até alguma gratidão, debitada claro está no exercício das suas funções. Mais palavras para quê?

Agora a matéria prima. Ela está presente e é visível todos os dias, está a ao dispor de qualquer um em tudo o que são noticias, crónicas ou debates, como o de ontem. Já o disse anteriormente e repito, a informação que por ai circula vale o que vale. Tudo passa agora pela violação, ou não, do segredo de justiça. Tudo, e ao mesmo tempo nada se sabe sobre tudo o que se diz ou é divulgado. Por entre ataques e defesas, tudo à luz do dia, na praça pública, de intervenientes em processos, de políticos e de magistrados, reina a confusão total. Cada cabeça sua interpretação da lei, tudo como ontem se viu, entre grandes amigos com grande amizades. O pior, a meu ver, é que a questão é mesmo grave, chegámos ao ponto em que, por entre muitos crimes que por ai se enumeram, se põe em dúvida e existe mesmo a possibilidade de ter existido um crime contra o estado de direito. Afinal o que se passa?

É tudo uma grande cabala contra elementos do governo?
Será espionagem politica?
Será tudo uma grande mentira?
Ninguém se entende?
No fundo ninguém acaba a defender a sua honra?
Não se conhece entrada de processos por calunia e difamação?
Passa tudo simplesmente por uma questão de share?

Muito mais haveria para dizer mas para terminar penso que a táctica é por demais evidente, dividir para reinar. A actual anarquia a que se assiste vai desviando a atenção dos portugueses, existem outros problemas bem mais importantes para resolver, mas é um facto que este problema da Justiça é gravíssimo. No meu caso particular, tenho total confiança nos magistrados judiciais e na sua competência no cumprimento das suas funções, a aplicação da lei. Agora uma coisa é certa, o termo democracia anda pelas ruas da amargura. Assim anda este nosso Portugal.

Vale-nos a qualificação para o Mundial de Futebol 2010 na África do Sul (risos).

2 comentários:

M disse...

Eu penso justamente como dizes na parte final, tenho plena confiança nos magistrados, e mesmo no assunto/polémica das escutas que tantos parecem teimar em que venha o contéudo a público, é uma sorte a decisão de validar ou invalidar caber aos juízes e mais ninguém. de outro modo, a falta de contenção por parte das entidades envolvidas na fuga de informação levaria a um caos público e à violação de principios fundamentais como o direito à privacidade. Se não há exposição de factos é porque não se considera existir envolvimento da pessoa em questão num crime grave. Ultimamente o PM anda a ser sovado por tudo e mais alguma coisa.. há que ser justo então, creio que em caso de se provar a culpa a Justiça se encarregará de o julgar.

teresa disse...

Caro amigo, o debate a que assististe acabou por ser, na minha perspectiva, suficientemnete esclarecedor.
A justiça está no banco dos réus, por ressentimento, desforço, seja lá o que for, por parte do poder político, que não aceita o poder judicial como tal, muito menos como exercício independente de soberania. Daí que tente funcionalizar, hierarquizar, pressionar, dominar. E é muito conveniente que a atenção popular se concentre na Justiça e esqueça assim o estado da nação, a responsabilidade dos orgãos políticos...
Espero, sinceramente, que se deixe a Justiça trabalhar, assegurando-lhe a serenidade, a dignidade, o prestígio e a independência.
E nem lamento que ninguém venha a público defender a honra dos juízes, incompreendidos e massacrados, contrariamente ao que sucede com a honra dos políticos.
É que, contrariamente a estes, os juízes não aspiram à notoriedade, protagonismo ou poder. E ninguém consegue verdadeiramente atingir-lhes a honra, que não ostentam, mas que demonstram todos os dias. Porque eles, sim, cumprem a Lei, reconhecem a tripartição de poderes e respeitam a soberania dos demais orgãos de Estado. Porque são juízes. E, contrariamente aos políticos, serão sempre juízes.